Até ser investigado e condenado à prisão por três estupros cometidos no campus da Universidade Estadual de Ohio, na cidade de Columbus, durante a década de 1970, Billy Milligan guardou por mais de duas décadas o segredo de suas outras 23 personalidades. É o que conta Daniel Keyes, o autor de As vidas de Billy Milligan, à ocasião do lançamento da obra.
Um ano antes, o escritor já havia lidado com o tema do Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), como é conhecido hoje, e o resultado foi o livro The Fifth Sally, elogiado pela sensibilidade com que abordava o caso fictício das cinco personalidades que habitavam Sally Porter. Contudo, o processo contra Billy Milligan urgia: era algo que transcendia a ficção e que precisava ser relatado em detalhes. Keyes escavou até as profundezas escuras daquele homem misterioso e conseguiu esse feito graças a longas conversas com o próprio Milligan, encontros com testemunhas e profissionais envolvidos no caso, leituras de relatórios, laudos e notícias e uma investigação factual digna das grandes reportagens vistas também em Truman Capote (A sangue frio, 1965), Vincent Bugliosi e Curt Gentry (Manson: retrato de um crime repugnante, 1974) e Janet Malcolm (O jornalista e o assassino, 1989).
Não é de hoje, então, o interesse do público pelo gênero true crime, o dos crimes reais. O que distingue o caso retratado por Keyes, porém, foi a utilização pela primeira vez do TDI como argumento de defesa. Seu caso se tornou um marco significativo para estudos da psiquiatria e do direito. Milligan foi liberado em 1991 — após a publicação do livro, portanto — depois de passar por diversos hospitais psiquiátricos, onde declarou ter recebido tratamento inadequado.
Os lapsos de memória que Milligan apresentava quando as personalidades trocavam o comando das rédeas de seu corpo contribuíram para a absolvição dele. Na época, as personalidades variavam entre 3 e 26 anos. Dez delas eram de conhecimento geral no julgamento, incluindo Ragen e Adalana, que teriam cometido, respectivamente, assaltos e os estupros; treze foram reprimidas pela personalidade racional dos “lugares seguros”, Arthur; e uma única reunia todas as outras, “o Billy inteiro”, conhecida como o Professor, que possibilitou em grande parte o resgate das personalidades durante as conversas entre Keyes e Milligan.
William Stanley Milligan faleceu aos 59 anos, em 12 de dezembro de 2014, em Columbus, seis meses após a morte de Daniel Keyes, aquele que enxergou sua vida com humanidade e a retratou com a mesma elegância, austeridade e prudência que o tornaram um escritor celebrado até hoje.