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O designer Mateus Acioli fala sobre o processo criativo para desenvolvimento da capa e aberturas de capítulo de O vampiro antes de Drácula.
Criaturas míticas tomadoras de sangue talvez sejam tão antigas quanto a humanidade e, ao longo da História, surgiram e ressurgiram repetidas vezes, em diferentes épocas e em incontáveis culturas ao redor do mundo. Nem todos esses seres assustadores, porém, influenciaram o surgimento e a evolução do mais famoso dentre eles: o vampiro.
O conceito do vampiro, tal como o conhecemos hoje, tem uma origem bem definida no tempo e no espaço: nasceu na Europa Centro-Oriental, em especial nos países eslavos, há pouco mais de trezentos anos. No começo, esse tomador de sangue só era conhecido pelos moradores de aldeias isoladas. Entre o final do século 17 e o início do século 18, contudo, uma verdadeira epidemia de vampirismo se espalhou pela Sérvia. O episódio permitiu que a palavra vampiro chegasse ao oeste europeu, mais urbano, por meio de relatórios oficiais e médicos sobre mortes atribuídas a tais seres. Esses documentos introduziram o termo em idiomas como latim, inglês, francês e alemão.
Na Europa iluminista, médicos, filósofos e religiosos estavam perplexos com os relatos de vampirização — e discutiam o fenômeno como um possí...
Criaturas míticas tomadoras de sangue talvez sejam tão antigas quanto a humanidade e, ao longo da História, surgiram e ressurgiram repetidas vezes, em diferentes épocas e em incontáveis culturas ao redor do mundo. Nem todos esses seres assustadores, porém, influenciaram o surgimento e a evolução do mais famoso dentre eles: o vampiro.
O conceito do vampiro, tal como o conhecemos hoje, tem uma origem bem definida no tempo e no espaço: nasceu na Europa Centro-Oriental, em especial nos países eslavos, há pouco mais de trezentos anos. No começo, esse tomador de sangue só era conhecido pelos moradores de aldeias isoladas. Entre o final do século 17 e o início do século 18, contudo, uma verdadeira epidemia de vampirismo se espalhou pela Sérvia. O episódio permitiu que a palavra vampiro chegasse ao oeste europeu, mais urbano, por meio de relatórios oficiais e médicos sobre mortes atribuídas a tais seres. Esses documentos introduziram o termo em idiomas como latim, inglês, francês e alemão.
Na Europa iluminista, médicos, filósofos e religiosos estavam perplexos com os relatos de vampirização — e discutiam o fenômeno como um possível fato médico. Quando se deram conta de que o desmorto assassino não passava de um ente folclórico, era tarde demais. Ele já havia se instalado de vez na imaginação e na cultura europeias — e, mais tarde, para além dessas fronteiras.
O vampiro surgiu como explicação para acontecimentos reais, que a população sem acesso à informação ou ajuda externa não conseguia explicar de forma mais convencional.
É bem provável que a lenda tenha nascido da necessidade de explicar o alastramento de epidemias, numa época e num lugar onde não se conheciam os mecanismos de contágio de doenças transmissíveis. Irrompeu, assim, a crença de que o morto transformado em vampiro retornava da cova para atacar familiares e amigos, ou seja, pessoas com quem ele tivera contato mais estreito. Essa situação lembra muito a transmissão de uma enfermidade contagiosa, do doente para as pessoas próximas a ele. O intervalo entre as mortes indicia o transcurso de período de incubação e de desenvolvimento dos sintomas da doença, antes da morte da próxima vítima. A peste bubônica, a tuberculose e a raiva são algumas das sugestões possíveis para a origem do mito.
Outro elemento que pode ter contribuído para o surgimento do vampiro folclórico foi a falta de conhecimento sobre o processo de decomposição cadavérica e de como ele pode ser perturbado por fatores externos. Desse modo, ante uma exumação que revelasse um cadáver muito menos decomposto do que o esperado, as pessoas lançavam mão da única explicação que lhes era possível: a sobrenatural.
O vampiro, assim como as espécies biológicas, não nasceu simplesmente do nada. Ele derivou de antepassados mais antigos, por sua vez originários de diferentes pontos não só da Europa, como também da Ásia, criaturas que já apresentavam alguma característica vampírica, mas não exibiam todo o conjunto que define o vampiro propriamente dito.
Os vampiros originais da Sérvia, ancestrais diretos da versão moderna, assimilaram aspectos de cinco tipos diferentes de seres sobrenaturais: os mortos-vivos, presentes no folclore em toda a Europa; os espíritos que fazem visitas noturnas, como os íncubos e as súcubos da Igreja Católica; os seres que chupam sangue, como as estriges, bruxas da Roma antiga; os bruxos dos países eslavos e balcânicos, que faziam malefícios mesmo depois de mortos; e os licantropos ou lobisomens, pessoas que se transformavam em lobo e que voltavam após a morte para tomar sangue humano.
O vampiro ancestral eslavo é uma amálgama dos de todos esses seres sobrenaturais. Estes, porém, não desapareceram do folclore; alguns sobreviveram até os dias de hoje e são reconhecidos na mitologia europeia e até na brasileira, como as bruxas e os lobisomens. De certa forma, poderíamos considerar o vampiro ancestral como uma criatura transgênica, que incorporou e transmitiu a seus descendentes características que originalmente eram de outras espécies míticas.
O vampiro penetrou no mundo literário em meados do século 18, por meio da poesia romântica alemã, e logo depois invadiu a poesia inglesa para enfim chegar à prosa de ficção no início do século 19. A estreia se deu pela pluma do inglês John Polidori, um jovem médico vingativo, que usou um texto abandonado por seu desafeto Lord Byron, então já um poeta aclamado, como base para o conto que batizou de “O vampiro” — ambos presentes na nova edição de O vampiro antes de Drácula. No texto de Polidori, a criatura sanguessuga era Lord Ruthven, um nobre sedutor e perverso que destruía a vida de qualquer pessoa que se relacionasse com ele e, claro, à imagem de Byron.
Por equívoco ou má-fé, o conto saiu publicado em 1819 com autoria atribuída ao próprio Byron, e isso lhe garantiu um sucesso estrondoso e imediato. Lord Ruthven estabeleceu de forma definitiva o modelo para o vampiro da literatura, do teatro e, mais tarde, do cinema.
Portanto, ao invadir a literatura e o teatro, o vampiro ancestral passou por um processo de transformação, em que o monstro repugnante e irracional se tornou um nobre atraente, cínico e mal-intencionado, inserido na sociedade contemporânea e frequentador das altas rodas.
Essa variação continuou ao longo de toda a não vida da criatura imortal, como resposta adaptativa aos anseios do público consumidor das aventuras e desventuras do temível filho das trevas. No decorrer do século 19, o vampiro sofreu múltiplas metamorfoses, acompanhando as mudanças morais, comportamentais e tecnológicas da sociedade. Se Lord Ruthven nasceu como um sedutor maligno que ameaçava não só a vida das vítimas, mas também a moral e os bons costumes, com o tempo o foco passou a ser muito mais a ameaça física e, o desfecho, a morte. À medida que o nobre sanguinário se esgotava como um chavão repetido ao infinito, o vampiro evoluiu para novas formas que se afastavam cada vez mais do personagem de Polidori — ressurgiu a versão feminina, agora em prosa, ele deixou de ser nobre e por fim já nem mesmo era humano.
A capacidade infinita do vampiro de transmutar-se e de satisfazer as mais loucas necessidades criadas pela imaginação humana garantiu sua sobrevivência e popularidade ao longo das décadas.
Depois da longa e sinuosa trajetória que a criatura percorreu desde seu surgimento no Leste Europeu, foi no apagar das luzes do século 19 que ela ganhou de vez os traços principais do vampiro-vilão. Em 1897, o irlandês Bram Stoker publicou seu romance Drácula, em que o protagonista-título é um estrangeiro vindo de terras distantes e exóticas, aristocrático, refinado, implacável e quase invencível. Nascia o vampiro moderno, que dominou o mundo todo nas décadas que se seguiram.
O êxito do personagem de Stoker foi tão pleno e se entranhou tão fundo no inconsciente coletivo que ofuscou por completo quase um século de rica e diversificada evolução literária. Drácula consolidou seu reinado de terror, banindo seus inúmeros antecessores às trevas do esquecimento.